Quando tirei a carta
lembrei minha falta de tato quanto ao assunto. Tudo porque minha
primeira percepção da fragilidade do ser humano veio em uma
confusão enorme. Para reconhecer aqueles sentimentos de descoberta
preciso dar uma espiada ali na minha infância. Eu era uma criança
solitária, porém a vontade de estar sozinha não tinha qualquer
elemento depressivo, era só meu jeito devagar de conhecer o mundo
contemplando o pequeno círculo social que me cercava. Talvez por ter
me dedicado tanto em observar as pessoas o amor nunca foi confuso pra
mim, sabia quem me queria bem e respondia esses sentimentos sinceros.
Naquela época,
morávamos em uma rua humilde, onde as dificuldades se condensavam e
cada um se ajudava como podia, mas uma família, em especial, merece
a admiração e a homenagem desse texto. Eram nossos vizinhos
chilenos, personagens interessantíssimos, viviam na mesma pobreza,
sofriam assaltos constantes, tinham o cansaço de trabalhar o dia
inteiro pra se sustentar somado à dificuldade de estar longe do país
de origem e sem poder falar a própria língua. E mesmo assim, eram
felizes. Compartilhavam risadas, histórias bonitas, receitas com
todos. Minha maior alegria foi ver que eles logo se tornaram amigos
de meus pais, e diga-se de passagem, amizade aquela que veio na
melhor hora, porque na época ninguém se dava o direito de sonhar
com um futuro melhor, a ideia fixa era trabalhar para sobreviver e
ponto. De uma hora para outra, minha mãe passou a abrir as janelas
da casa, colocar música na sala, escolher toalha de mesa florida nos
almoços de domingo. E eles assumiram a respeitável posição de
padrinho e madrinha para mim e meus irmãos.
Só que um dia eles não
apareceram no final da tarde para conversar. Eu esperei e nada. Me
colocaram um vestido preto e o ambiente ao meu redor assumiu um ar de
pesadelo insuportável. Disseram que a minha madrinha tinha partido,
pra um lugar melhor. Me calei. Foram dias sem falar uma palavra
sequer. Eu mesma não sabia explicar o porquê, só uma dor quase
física que surgiu sem ninguém avisar que era possível sentir tanta
saudade de alguém. Desde então essa é a única posição que
consigo assumir diante da morte. Silêncio que pode ser confundido
com desinteresse, mas na verdade é medo de deixar o mundo um dia sem
ter feito a metade do que aquela mulher maravilhosa fez.
Ana Terra
Nenhum comentário:
Postar um comentário